sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A lista

De vez em quando a L. aparece no nosso quarto a meio da noite a dizer que teve um sonho mau. Levo-a ensonada de volta para a cama dela e, enquanto a tapo, pede-me: Pai, diz-me um sonho para sonhar. Escolhemos então em conjunto uma situação mental agradável que a ajude a adormecer: fazer castelos de areia na praia, dar mergulhos na piscina, brincar no parque com uma amiga, etc. Para poupar trabalho e diversificar as opções, pediu-me ontem à tarde para escrevermos uma lista de sonhos. Peguei em papel e numa caneta e comecei a escrever, sob orientação dela. A folha está agora pousada na pequena mesa ao lado da cama dela, embora tenha dúvidas de que a consiga ler a meio da noite, às escuras, com muito sono. Talvez no futuro, com o evoluir da ciência, também nós consigamos retirar a aleatoriedade à projecção nocturna de imagens.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Housmans é uma pequena livraria em King’s Cross especializada em diversas correntes marxistas/anarquistas/pacifistas/ecologistas. Muitos dos autores não se falariam caso se encontrassem na rua, mas convivem pacificamente nas pequenas estantes de madeira. Para além das secções radicais e progressistas, tem livros de todos os géneros. Quando as condições meteorológicas o permitem, tem à porta uma pequena banca com livros baratos em segunda mão. Trouxe de lá hoje uma biografia de Leonard Woolf por uma libra. Numa das primeiras páginas surge esta citação: «I have always been greatly attracted to the undiluted female mind, as well as to the female body.» Dois sentimentos que partilho, embora não necessariamente pela mesma ordem ou com a mesma intensidade.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Os nossos fantasmas (3)


(The Sitters, W. Graham Robertson, 1910)

Os nossos fantasmas (2)


(The Sisters of Cinderella, W. Graham Robertson, 1905)

domingo, 23 de outubro de 2011

Os nossos fantasmas

Num daqueles acasos borgeanos, encontrei num alfarrabista um livro sobre o grupo de artistas que, na segunda metade do século XIX, viveu na nossa rua e em outras circundantes: The Holland Park Circle. Faziam parte da pouco representativa classe dos artistas com muito dinheiro e muitos deles construíram de raiz as suas casas onde antes se pastavam vacas. Descobrimos que, antes de ter sido alterado e dividido em dez apartamentos, o prédio em que habitamos foi mandado construir por W. Graham Robertson, um dos artistas do grupo. O livro traz até uma planta da casa original. No andar de baixo, onde hoje mora uma família de três pessoas, ficava a Sala de Bilhar. A nossa sala, que na configuração inicial se estendia até ao andar de cima, era o atelier onde Robertson pintava. Aparentemente, levava uma vida de dandy. Teve uma actividade social tão intensa que não terá tido tempo para dar um maior contributo para a história da arte. Um dos amigos, John Singer Sargent, pintou-lhe um retrato, agora na posse da Tate. Nele, mostra um ar pálido e imberbe. É sempre bom conhecermos os nossos fantasmas.


W. Graham Robertson, John Singer Sargent, 1894.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Livro de cabeceira para sem-abrigo

Em cima de uma cama de cartão, num dos túneis da estação de metro de Hyde Park Corner, estava hoje pousado The Magic of Reality, de Richard Dawkins, um dos melhores livros de cabeceira para sem-abrigo que tenho visto na rede londrina de transportes públicos. 

domingo, 9 de outubro de 2011

Concílio

A L. chegou da escola com a notícia de que irá fazer de Maria na peça de Natal. A vida de actriz é difícil e, depois de nos dois anos anteriores ter feito de saco de moedas do Sr. Scrooge e de bailarina de caixa de música, pareceu-me bem, não fossem as questões teológicas que o anúncio provocou. Pai, o José é o pai do bebé? Pai, porque é que o anjo teve de dizer à Maria que ela estava grávida, o pai pôs a sementinha especial quando ela estava a dormir? Pai, quem é o pai do menino? Etc. Na impossibilidade de inscrevê-la num curso intensivo de catequese ou de reunir um concílio – e consciente de que algumas das interrogações provocaram no passado guerras religiosas, cisões, mortes na fogueira – tive de recorrer à estratégia mais eficaz: Vai perguntar à tua mãe. E de telefonar ao professor a sugerir um papel menos controverso para o próximo ano, como Petra von Kant ou a Menina Julia.